"Idiossincrasia: Característica comportamental peculiar de um grupo ou indivíduo."
Era a minha primeira semana de lockdown em Floripa, depois de 6 meses viajando o Brasil sem muito rumo, mas com o coração aberto e a companhia de uma incansável parceira de aventuras, Amora Black.
No terceiro dia da quarentena, pedi pelo aplicativo da farmácia um termômetro e uma máquina de barbear. Se ali se iniciava uma batalha, aquelas foram as armas que escolhi para lutar. Além das câmeras e de Amora, é claro.
Naquele 25 de Março de 2020, e pela primeira vez em 31 anos de vida, eu me permiti conhecer uma parte de mim que eu nunca havia conhecido; a minha própria cabeça.
Devo dizer que não foi fácil raspar a própria cabeça. Nem no sentido literal e nem no figurado. Não é exatamente como aparar a grama do jardim. Mas ao mesmo tempo é, se é que você me entende.
A cada mecha de cabelo que caía na pia, era um não que eu finalmente dizia para todas as coisas, e pessoas, e situações em que eu disse "sim", mesmo não querendo, por medo de não me encaixar e ser rejeitada. Foi um não ao patriarcado opressor que sempre nos imprimiu dor para nos validar, e que ainda nos tempos de hoje insiste em regular a decência de nós mulheres pelo comprimento de nossas roupas e também de nossos cabelos (que claro, quanto mais liso, melhor. Afinal, o patriarcado, além de machista, é também racista).
Quanto menos cabelos sobravam em minha cabeça, mais eu mesma me saltava aos olhos. De repente, eu passei não só a me ver, mas também a me enxergar. E percebi então que ser mulher vai muito além daquilo que eu escolho usar para proteger (ou seria esconder?) a minha própria cabeça.
Sozinha em casa, o mundo "acabando" (ou renascendo, quem sabe) lá fora, e dentro de mim uma revolução de sentimentos. De alguma forma curiosa, a cabeça, já praticamente pelada, seguia erguida. O peso que a puxava pra baixo havia escorrido pelo ralo.
Idiossincráticos foram os 3 meses de convivência que tive comigo mesma, durante esse primeiro período de quarentena. Os choros, as dores, os medos. As perguntas que permaneciam sem respostas. E em um momento de (sobre)vivência dicotômica, entre luz&sombra, resolvi me capturar. Eu não podia deixar de registrar aquele momento tenso e libertador que eu vivia. E não havia ninguém mais que pudesse fazer isso por mim (se ao menos Amorinha soubesse fotografar…).
Em cada um desses retratos há uma Alanna que até então eu desconhecia. A luz e a sombra projetada nas fotos refletem a luz e sombra que pulsavam dentro de mim. Elas que foram minhas companheiras inseparáveis, como a ingratidão dos Versos Íntimos de Augusto dos Anjos.
Esse breve ensaio autobiográfico foi um portal que se abriu em meio ao caos externo e interno que eu experienciava. Em cada foto, a expressão de um sentimento que latejava em mim. Que conversava comigo e me fazia companhia.
Idiossincrasias é a minha auto revelação de mim, por mim e pra mim mesma. É também o meu manifesto para o mundo. A minha manifestação e libertação de ser quem eu sou, quem eu escolhi ser. Quem eu me tornei! Com ou sem cabelo. Foi a minha forma ousada de gritar liberdade, sem som, de dentro de uma caixa de gesso e compensado suspensa em seu 11 andar da llha da Magia.




