Eu cresci ouvindo o velho ditado de que "a grama do vizinho é sempre mais verde''. E talvez por isso eu tenha passado tantos anos caminhando pela grama alheia, indo e voltando por entre os quatro cantos do mundo, pouco me interessando pelo meu/nosso maior jardim: a Floresta Amazônica.
Acho que foi em 2019 que o meu coração gritou "Amazônia" pela primeira vez. De início, era mais um sussurro. Chegou de mansinho na minha mente e foi ocupando espaço nos meus planos e sonhos. Aos poucos, já não tinha mais outro canto no universo que meu coração quisesse desbravar, senão a Amazônia.
Tive de ser paciente. A viagem demorou para se concretizar. E eu também não tinha exatamente um plano em mente, mas tão somente - e finalmente - a vontade e curiosidade de conhecer o pulmão do mundo; o berço ancestral de nossa formação histórica.
Em outubro daquele mesmo ano, eu pedi desligamento do emprego que ocupava e que, assim como outras experiências de trabalho, me levava a mais um burn-out, o meu terceiro. E eu só tinha 30 anos! O sabático que eu queria viver aos 40 chegou 10 anos antes, como uma alternativa de estilo de vida, e pela necessidade de ressignificar planos, sonhos e também valores e atitudes, se eu ainda quisesse chegar aos 40.

Saí de Florianópolis - a segunda Ilha que me radicou (sou natural de São Luís - MA) e que me acolheu por 11 anos - sem muitos planos. Eu queria aprender a viver abrindo mão de coisas e sentimentos que me prendiam. Controle, acima de tudo. "Um dia de cada vez", eu dizia à mim mesma, no melhor do estilo Zeca Pagodinho de ser, depois de toda uma vida calculada e mensurada por metas e OKRs (objetivos e resultados, no bom português), meticulosamente traçadas para "vencer na vida" e me tornar "uma pessoa de sucesso". A fatídica conjuntura astrológica de Caprica com Virgem.
A falta de planejamento foi substituída pela entrega ao que eu chamo de um chamado de apenas seguir subindo o mapa, descobrindo com os meus próprios olhos (ainda míopes física e socialmente) "O que faz do brasil, Brasil", até chegar à região Amazônica.
Na partida, para além da ideia fixa de poder chegar às terras indígenas amazônicas, eu tinha o profundo desejo de conseguir me encontrar. De (re)descobrir aquilo que me faz sentir viva. E hoje, quase um ano e meio depois, posso afirmar que, enfim, me encontrei! Mas alerto: não foi tão simples quanto jogar um endereço no Waze e seguir direções narradas por voz de boy bands.

Entre o ponto de saída (outubro de 2019) e o ponto de chegada (dezembro de 2020), a minha caminhada não seguiu por linhas retas. Na verdade, quase que como no "jogo da vida" real, o dado que eu havia lançado ao destino me apontava para a casa do tabuleiro que impõe "volte dois, três, quantos espaços forem precisos". Já era março. Amora Black, minha cachorrinha e companheira de aventuras, e eu completávamos 6 meses de estrada e de muitas histórias pra contar.
Estávamos na Bahia e seguíamos rumo ao norte. A Amazônia nunca cessou de me chamar e, por isso, continuei subindo. Ainda sem nenhum plano e sem saber exatamente como, quando e o que fazer quando chegar. Eu só sabia que eu precisava chegar! Mas era março. Um ano atrás. E caso você tenha se perdido no tempo e não se recorde, em março de 2020 era a humanidade que sofria um burn-out; também conhecida por "a epidemia da covid-19" que segue se alastrando em nosso país, nesse momento em que escrevo essas palavras (Abril/21).
De Arraial D'ajuda (Bahia) eu voltei para Florianópolis, onde me recolhi em solidão, de início, e então solitude. E talvez por voltar a uma ilha, naveguei por um mar de dúvidas - "quanto tempo será que isso vai durar" (não imaginava que chegaríamos ao dia de hoje, um ano depois, alcançando números tão negativos); "será que vamos sobreviver?"; "será que um dia eu chego na Amazônia? E quando eu chegar, será que ela ainda vai estar lá?" -, e idiossincrasias.
Perguntas não me faltaram nesses tempos de isolamento social. E mesmo com a falta de tantas respostas - ou talvez justamente pela ausência delas - é que o meu coração seguiu apontando para a floresta, como uma bússola que sempre aponta para o norte, o caminho de volta pra casa.
Ir para a Amazônia havia se tornado uma prioridade. No entanto, quando recebi o convite do Líder Espiritual Katukina, Mõcha, para ir conhecer sua Aldeia e seu povo, os Noke Koi, eu pensei sim duas vezes! Três, quatro… talvez até mais. De fato, quase nem fui. Fiquei receosa de viajar em meio à pandemia, principalmente de ir para uma Comunidade Indígena, e repetir a história de meus antepassados portugueses.

Mas o chamado se manteve firme em meu peito e, conversando com Mõcha antes da minha ida, me preparei para partir em segurança, obedecendo às orientações da OMS e também da Aldeia Samaúma, que me receberia. Assim, só restou me entregar a esse convite monomítico para a aventura.
No dia 20 de dezembro de 2020, meus pés então pisaram na floresta que traz em seu solo as mesmas árvores que há meses me apareciam em sonhos. Solo que é terra de histórias. Solo que é território sagrado. Enfim, eu havia chegado. E ali eu entendi o meu chamado. Desde então, muito pouco tem sido o mesmo.
Nas 3 semanas que estive na Amazônia Acreana, sob a proteção e guiança dos guardiões da floresta - Povo Noke Koi e ribeirinhos do Parque Nacional da Serra do Divisor -, eu aprendi mais sobre mim do que nos meus 5 anos de terapia - e meu terapeuta é ótimo!
Naquela terra eu aprendi a ressignificar a vida e compreendi, na pele, que manter aquele ecossistema vivo, de maneira orgânica e equilibrada, respeitando a ancestralidade e as tradições desses povos originários, é a única maneira de eu também permanecer viva (e quem sabe fazer outro sabático aos 40 anos).
Apesar do que a gente costuma ouvir nos contos de fadas que sempre descrevem a floresta e seus seres com maldade e violência, e instigam em nós o medo, elas - as florestas - são exatamente o oposto. A mata e toda a sua biodiversidade é pura luz e vida. Do mais minúsculo de seus seres à majestade de suas samaúmas, cada pequeno-grande microorganismo, dos reinos animal e vegetal, é explosão de vida; pura energia criativa!





Assim que, de volta da mata, trouxe comigo algumas certezas. Dentre elas, essa que aqui compartilho: Não há grama mais verde que a daquela mata viva (por quanto tempo?) e rica (e por isso, tão devastadoramente explorada) que compõe o cenário brasileiro, que nos ajuda a entender a nossa história, e que (ainda) resiste(!) produzindo o pouco de ar puro que nos resta.
Na verdade, ali há cores que meus olhos nunca haviam visto. Só que aquela grama - eu descobri ao pisá-la, contrariando aos sinais da vida de "não pise a grama"-, não é só a grama do vizinho. Ou melhor, ela até é. Mas ela é também a minha grama. E o vizinho também sou eu!
Direcionar meu olhar e minhas lentes para a Amazônia e suas histórias - seus povos, tradições, o encanto de suas florestas e seres, os sabores de suas frutas e raízes, a farmácia viva que ali habita e que nos oferece cura - se tornou pressuposto sine qua non para aquilo que me faz sentir viva. Preservar a vida - a minha, a sua, a do vizinho, a nossa - é a única forma de permanecermos viva/os.

A vida é agora. Sigamos!